Começa mais um ano e os prognósticos não são alentadores, muito pelo contrário. Vivemos, já faz algum tempo, uma escalada progressiva de sucessos e notícias aterradoras: guerras, desastres climáticos, instabilidade global na econômica e política, convulsões sociais, ameaças cibernéticas, etc. Nesta última década, pode-se dizer que a tensão apocalíptica cresceu em progressão geométrica e, como consequência, o nível de ansiedade vem atingindo patamares absurdos, debilitando a saúde mental já gravemente abalada de uma parcela significativa da humanidade. Efetivamente, não temos motivos para estarmos otimistas. Por outro lado, seria o caso então de aceitarmos senão o desespero, pelo menos a desesperança? Mas então como seria possível continuar vivendo?

No finalzinho do ano passado me caiu nas mãos um livro que muito me fez refletir durante este período de festas e férias: O espírito da esperança. Contra a sociedade do medo, de Byung-Chul Han. Nele, o filósofo coreano radicado na Alemanha, pondera que “o medo circula como um espectro” e que o chamado “Doomsday Clock” indicava, no final de 2023, que faltavam 90 segundos para a meia-noite. “O ponteiro nunca esteve tão perto da meia-noite”, afirmava o filósofo. Nunca até o final de 2024… Não quero nem saber se estes 90 segundos agora são só 60, mas certamente a cada dia que passa estamos, parece, mais próximos do fim. Mas que fim? Fim do mundo, da humanidade, da civilização tal como a conhecemos? É muito difícil dizer, até mesmo conceber. O que sim é fácil perceber é que realmente estamos nos estertores de uma era e que o mundo e a humanidade tal como a conhecemos está prestes a desaparecer, ou pelo menos se transformar radicalmente. Diante disso, manter o otimismo seria algo ridículo, uma fuga irreal e infantil da realidade. Segundo Byung-Chul Han, mostrar-se pessimista frente ao mundo que estamos vivendo e ao futuro imediato, seria uma atitude coerente e, até certo ponto, madura. Ser otimista, acreditando no futuro da tecnologia enquanto meio de encontrar soluções para os nossos problemas, na política populista, enquanto forma de dirimir as injustiças e encontrar a paz mundial e outras parafernalhas publicitárias afins, não passa de uma forma disfarçada e alienada de desespero, própria de quem ri e se tranquiliza diante de um desastre iminente. 

Longe de fazer a apologia do pessimismo, entretanto, Han aponta a esperança como única saída válida e saudável frente à situação efetivamente desesperadora que estamos vivendo. Para Han, “o pessimismo não difere fundamentalmente do otimismo. É sua contraparte espelhada” (p.17) Ambos, são “cegos para as possibilidades”. Diante do beco sem saída, o otimista vê uma porta onde definitivamente não há e o pessimista não consegue imaginar uma saída que ainda não se vê. Já a esperança “nos capacita a escapar do tempo fechado como prisão.” (p. 18). Isso porque a esperança está enraizada não numa percepção superficial da realidade (como costuma estar a visão do pessimismo e do otimismo), mas noutra, muito mais profunda e transcendental. O coração esperançoso , onde a mente pessimista não enxerga e a ilusão otimista simplesmente fantasia. Por isso mesmo, a esperança não é apenas contemplativa, mas ela impele à ação; a uma ação que, como poeticamente caracteriza Han, é eminentemente narrativa. Cito mais uma vez: “Ações impulsionadas pelo medo não são ações aptas para o futuro. As ações precisam de um horizonte de sentido, precisam ser narráveis. A esperança é eloquente. Ela narra. O medo, por outro lado, é incapaz de falar, incapaz de narrar.” (p. 13).

Começamos mais um ano sob o signo da incerteza, da ansiedade, do medo. Diante disso, nos vemos ameaçados, por um lado, pelo mais sombrio e deprimente pessimismo desesperançado e, por outro, pela panaceia boda e infantil do otimismo de psicologia positiva. Convido você leitor e leitora a refletir sobre o remédio da esperança. Remédio que, sem negar a realidade, não se deixa aprisionar nela, buscando nas narrativas que nos foram legadas e na narrativa que somos convidados a produzir, uma atitude vital que pode promover não só a nossa saúde existencial como a de todo o universo. 

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