A humanidade está ficando velha. Não me refiro aqui ao tempo de existência do gênero humano em nosso planeta, que, em comparação com outras espécies, não passa de um recém-nascido, mas sim à sua composição etária nos tempos atuais.
Em diversas regiões do globo – e não apenas nas partes mais “desenvolvidas” e “ricas” – nota-se, em função do aumento da longevidade e da queda da taxa de natalidade, uma crescente predominância de velhos nos perfis populacionais. Segundo os estudiosos, este é um fenômeno inédito na história da humanidade. Prevalecendo as atuais dinâmicas econômicas, políticas e sociais, em algumas poucas décadas, pela primeira vez na história, contaremos com uma população majoritariamente idosa em grande parte dos países do mundo.
Imagino que para a maioria de meus leitores e leitoras esta informação não seja nenhuma novidade surpreendente. Afinal, não é de ontem que a temática do envelhecimento vem sendo propalada e discutida nos mais diversos meios de comunicação e espaços sociais. Entretanto, o que, dentro dessa grande questão, chama minha atenção e não me parece estar sendo suficientemente discutido é o fenômeno da negação da velhice. Pode parecer paradoxal – e na verdade é –, mas quanto mais envelhecemos enquanto sociedade, mais tendemos a negar, a não aceitar nosso envelhecimento.
A preocupação com ações preventivas que proporcionem uma velhice mais saudável, algo tão em voga nos dias que correm, é algo necessário e positivo. Porém, muitas vezes, a insistência na prevenção tende a extrapolar a justa medida e desvirtuar para uma obsessiva negação.
O envelhecimento é um processo intrínseco de qualquer ser vivo; faz parte do chamado ciclo da vida, que compreende as etapas de crescimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. Nesta última etapa, as dinâmicas e forças que atuam no sentido de fazer o ser crescer e amadurecer invertem sua lógica para que esse mesmo ser possa morrer. Subverter, ou seja, deter ou mesmo reverter esse ciclo, é talvez um dos sonhos mais antigos da humanidade — sonho este que, nos últimos tempos, transformou-se em verdadeira obsessão.
O mito da imortalidade e da juventude eterna encontra-se presente no imaginário de quase todas as culturas ao longo da história. O curioso é constatar que nas antigas narrativas e na intuição literária normalmente esse sonho se transforma em pesadelo, e o dom tão desejado revela-se uma maldição.
Jonathan Swift explorou esse tema em As Viagens de Gulliver de forma tragicômica, e Bram Stoker, de modo terrivelmente dramático, em Drácula. É numa das narrativas mais antigas da história da humanidade, contudo, que o dilema da imortalidade e da juventude eterna é abordado da maneira mais profunda e emblemática. Na Odisseia de Homero, escrita há 2.800 anos, a Ulisses, grande herói grego, é oferecido pela deusa Calipso, em uma ilha paradisíaca, o dom da imortalidade e da juventude eterna. Ele, no entanto, o recusa, pois seu desejo era o de retornar à casa, de onde já estava ausente havia 20 anos, para reencontrar seu filho e sua esposa e ao lado deles envelhecer e morrer, depois de uma vida longa e desafiadora.
As velhas narrativas nos ensinam que não é próprio do humano viver numa eterna juventude. Assim como precisamos crescer, sair, viver, sofrer e amadurecer para realizar nossa própria beleza, precisamos também saber envelhecer e morrer. Eis o que nos faz plenamente humanos.
Não se trata aqui de idealizar ou romantizar uma etapa tremendamente difícil, à qual o declínio físico e mental apresenta-se de forma inexorável e irremediável. Entretanto, o pavor e a negação da velhice, concretizados atualmente na obsessão terapêutica e estética, com sua enxurrada de remédios, vitaminas, procedimentos e intervenções mais absurdas, demonstram na verdade uma visão muito pobre e rasa da realidade da vida; uma visão que reduz a existência à simples boa forma física e mental, desconsiderando sua dimensão espiritual e transcendental.
Somos muito mais do que um conjunto de órgãos, músculos e neurônios em bom funcionamento e excelente performance. Manter a saúde vai muito além de conseguir correr uma maratona – ou mesmo uma meia –, esconder as rugas e evitar a queda dos cabelos. Manter a saúde existencial passa por encontrar o equilíbrio entre preservar a possível forma física e mental nos limites de cada idade e promover a ampliação da esfera do ser – para usar uma expressão de Montesquieu. Isso significa exercitar a alma, o espírito, pela leitura, pelo estudo, pela convivência com o próximo e pela prática de virtudes como a gentileza, a cordialidade, a fé e a esperança. Em poucas palavras, parodiando o Bobo da Corte do Rei Lear de Shakespeare, trata-se de adquirir a sabedoria antes de ficar velho; de buscar a sabedoria para que envelheçamos de forma sábia, saudável, digna, sem medo, e não da forma estulta e ridícula como estamos fazendo: escondendo-a ou negando-a. A sabedoria nos ensina que aceitar a velhice e a morte de maneira sábia é a forma mais saudável de morrer e assim deixar nosso legado para eternidade, enquanto vivemos a nossa.
Convido você, leitor(a), a refletir sobre isso, pois como ensinou Montaigne, filosofar é aprender a morrer.






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