Parece incrível que sendo este um dos temas sobre o qual já se tenha pensado, falado e escrito como nenhum outro na história da humanidade, a felicidade permaneça ainda como um dos mistérios mais inacessíveis. 

Na aurora da filosofia, Aristóteles postulou a felicidade como o objetivo essencial de todo ser humano, e, na sua esteira, Tomás de Aquino a identificou como a força motriz que pode nos levar tanto para a plena realização quanto para nossa total destruição.

Mais recentemente, com o prodigioso desenvolvimento da ciência e da tecnologia, foi possível encontrar o hormônio associado à felicidade, e imaginou-se que sua administração farmacológica garantiria finalmente sua aquisição e manutenção permanente. Entretanto, constatando aquilo que um dos maiores profetas da modernidade — Aldous Huxley — já previra em Admirável Mundo Novo, o “soma”, ou a “droga da felicidade”, apesar de não apresentar nenhum efeito colateral do ponto de vista orgânico, não é suficiente para suprir as reais necessidades do espírito. Isso não impediu que as “receitas” de felicidade continuem proliferando com grande prodigalidade, seja nos livros de autoajuda ou por meio de coaches, influencers e até mesmo de sistemas de inteligência artificial. 

Ainda que se diga com frequência que a felicidade não se compra, em geral tendemos a acreditar que ela nos chegará como dama de companhia do dinheiro, do sucesso, do conforto e do poder. E mesmo que não a associemos à posse de bens materiais, quase sempre identificamos a felicidade à satisfação de nossos desejos e prazeres. A experiência mostra, contudo, que mesmo nestes casos — coisa que, diga-se, costuma acontecer muito raramente — em vez de a encontrarmos, nos deparamos com algo bem diferente, ainda que seja denominado com uma palavra que se inicia com a mesma letra: frustração. Tal realidade é descrita por Liev Tolstói no seu grande livro Anna Kariênina, quando o conde Vronski, depois de muito esperar, consegue afinal consumar seu romance com a protagonista que dá título à obra, sem impedimentos ou empecilhos. Escreve Tolstói: “Vronski, por sua vez, apesar da plena realização daquilo que tanto havia desejado, não era inteiramente feliz. Logo se deu conta de que a realização de seus desejos lhe proporcionava apenas um grão de areia da montanha de felicidade que havia esperado. Tal realização revelara a ele o eterno engano cometido pelas pessoas que imaginam alcançar a felicidade por meio da realização dos desejos.” Mas se a felicidade não está na posse dos bens e tampouco na realização dos nossos desejos, onde então ela estaria?

Fiel à crença e à experiência de que as melhores respostas para os dramas humanos estão sempre na literatura, proponho continuarmos a explorar as páginas de Anna Kariênina, pois ali mesmo encontramos indicações muito interessantes que podem nos apresentar uma pista promissora a respeito do esconderijo da felicidade. Estas aparecem a partir da trama que envolve um personagem que, de certa forma, representa o contraponto de Vronski: Lievin, ex-rival do conde, cuja namorada, Kitty, havia, forçada pelas circunstâncias, recusado seu primeiro pedido de casamento. Arrasado pelo doloroso preterimento, Lievin mergulha num mar de tristeza, ressentimento e orgulho ferido. Mais tarde, porém, superando os sentimentos que o aprisionavam, Lievin dá a volta por cima e o que lhe parecia impossível torna-se realidade: Kitty, numa das páginas mais encantadoras da história da literatura, aceita seu novo pedido de casamento, provocando no enamorado um sentimento quase insuportável de felicidade. Questionado e até ridicularizado pelos amigos que zombam do seu enternecimento nubente, advertindo-o da inevitável perda da liberdade intrínseca ao casamento, Lievin responde-lhes: “Liberdade? Liberdade para quê? A felicidade está apenas em amar e desejar, pensar com os desejos dela e com os pensamentos dela, ou seja, não ter nenhuma liberdade — isto é a felicidade!” 

Curiosa inversão da concepção vronskiana — coincidente, aliás, com aquela que costumamos comungar —, a visão enamorada de Lievin sobre a felicidade se fundamenta então não na realização dos próprios desejos, mas sim nos da pessoa amada. A felicidade, portanto, não se encontra no ego, mas no outro. É claro que na prática, Lievin irá descobrir que a realização desse ideal de felicidade é muito mais difícil e complexa do que sua bela formulação poética. Entretanto, todo o desdobramento da história do simpático casal aponta para esse árduo caminho do encontro da felicidade por meio do amor, que, como ensinou outro grande escritor russo, Fiódor Dostoiévski, não é apenas sentimento, mas “toda uma ciência e toda uma arte”. 

A intuição de que a felicidade esteja na experiência da alteridade não se limita, contudo, à vivência amorosa no sentido romântico. Séculos antes de Tolstói, os gregos antigos já chamavam a felicidade de eudaimonia, que, traduzindo literalmente, significa trazer um daimon (um espírito, um deus) dentro de si — daí, por exemplo, que uma das formas latinas derivadas deste vocábulo seja justamente entusiasmo. Segundo Platão, Sócrates, em sua Apologia, quando acusado pelos atenienses de corromper a juventude por meio da sua filosofia que questionava tudo e todos, ameaçado de morte, recusa-se a abrir mão de sua vocação. Em defesa própria, argumenta que, para ele, deixar de “obedecer o seu daimon”, que o instigava a questionar, seria trair a si mesmo, perder o sentido da vida e, claro, sua própria felicidade. Em Sócrates, a felicidade também consistia em satisfazer os desejos de Outrem; um Outrem que, todavia, não vivia fora dele, mas sim dentro, no interior do seu coração.

Eis aí, portanto, o lugar onde a felicidade costuma se esconder. Seja no movimento que se projeta para fora, na busca por satisfazer os desejos do ser amado, seja no movimento que nos projeta para dentro, na busca por realizar a vontade daquele que habita em nós, a casa da felicidade parece ser o coração. E seu outro nome costuma ser amor.   

Uma resposta para “Felicidade: onde encontrar?”.

  1. Que texto fantástico, Professor!!!!

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