Tenho sido, nas últimas semanas, interpelado por alunos e participantes de diversos grupos de Laboratório de Leitura que coordeno a respeito do fenômeno que viralizou nas redes sociais sobre as “mães” de bebês reborns — aqueles bonecos hiper-realistas que simulam, com grande sucesso, bebês reais. Por não acompanhar com assiduidade as redes sociais — um dos poucos vícios da modernidade ao qual ainda não sucumbi —, tive, num primeiro momento, que, socraticamente, confessar que nada sabia. Sendo então informado e procurando eu mesmo conferir os reels e demais posts das próprias “mães”, comecei a meditar e a me questionar sobre o aspecto sintomático deste inusitado, porém não de todo surpreendente fenômeno, da nossa hiper-patológica-modernidade.
Descontados os inevitáveis exageros, memes e simulações de má-fé que visam exclusivamente visibilidade algorítmica com fins promocionais, percebe-se que algo “peculiar” está se revelando. Algo que pode, à primeira vista, ser relacionado com outros fenômenos já consolidados em nossa realidade social, como, por exemplo, a “familiarização” de pets, que de animais de estimação passaram a ser considerados “filhos”, ocupando um espaço físico e psicológico antes reservado exclusivamente a seres humanos.
Desde logo, advirto que não tenho nada contra os animais, tampouco contra bonecos. O que me chama a atenção é o novo papel que estes seres e objetos estão recebendo por parte de nossos semelhantes nos tempos que correm. Animais de estimação e bonecos sempre fizeram parte do cotidiano dos seres humanos. O legado artístico e os vestígios arqueológicos das mais diversas civilizações e culturas atestam isso de forma incontestável. Entretanto, salvo em situações excepcionais e em momentos muito pontuais da história da humanidade, a adoção desses entes em substituição ao elemento humano configura-se como uma característica muito marcante e representativa da contemporaneidade.
Diante disso, não creio que seja ocioso nos perguntarmos o porquê desse fenômeno. Por que estamos, cada vez mais, substituindo nossos semelhantes por — no caso dos bebês reborn — seres inanimados que simulam a aparência de seres humanos reais e dedicando a eles afetos e cuidados que a princípio deveriam ser atribuídos a filhos de carne, osso e alma? As imagens e atitudes que proliferam nas redes sociais e que, por vezes, revelam um autêntico delírio psicológico — como em casos como o de uma “mãe” que leva seu reborn ao pronto-socorro, relatando queixas clínicas; ou de outra que pede que seja filmado o “nascimento” do seu “re-rebento” — provocam, em grande parte das pessoas, uma compreensível mescla de incredulidade, indignação e deboche. Entretanto, a ridicularização e achincalhamento dessas autodenominadas “mães” demonstra apenas uma insensibilidade nada saudável por parte dos detratores, que nada contribui para a compreensão do outro e da sua situação de evidente vulnerabilidade.
Estamos perdendo a capacidade de conviver com nossos semelhantes. Estamos desaprendendo a lidar com o outro, este ser dotado das mesmas qualidades e necessidades físicas, psicológicas e espirituais que nós, mas que as vive de forma particularmente diferente, apresentando afetos, pensamentos e vontades distintas das nossas. Estamos nos tornando incapazes de aceitar o outro, de nos sacrificarmos por ele. Ou melhor: na verdade, por continuarmos a ser humanos, estamos ainda dispostos a cuidar e até se sacrificar por alguém, porém apenas se for como e quando quisermos, de acordo apenas com a nossa própria vontade e disposição. Nesse sentido, um bebê reborn se adapta muito melhor a essa humanidade customizada pelo egoísmo que erigimos do que um bebê just born — um bebê vivo, que é um outro autêntico, com vontade e necessidades próprias e que me obriga a sair de mim para ser mais. Um ser que efetivamente me ensina a amar de verdade e não que permite uma simulação amorosa customizada.
Os bebês reborns estão falando. E o que eles dizem é algo sério. Precisamos prestar atenção.






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